A opinião de Sérgio Dias, coordenador científico do iMM-Laço Hub, na coluna sobre cancro da revista Visão.

Existem – atualmente – triliões de partículas de plástico a flutuar nos oceanos do planeta que habitamos. Esse número difícil de perceber corresponde a várias (2-5) toneladas de “microplásticos” distribuídos pela superfície e o fundo dos oceanos. A primeira menção à existência de “partículas de plástico” com menos de 5 milímetros (podem medir até frações de milímetro) e à sua distribuição pelas costas e os oceanos foi feita por Richard Thompson, um biólogo marinho da Universidade de Plymouth, no Reino Unido, num artigo publicado em 2004. Mais de 30 anos de estudos realizados pela sua equipa revelaram uma surpreendente e assustadora realidade: foram encontrados microplásticos em amostras de areia de praias na Austrália, Europa, América do Sul e do Norte, no oceano profundo, no gelo ártico e no interior de peixes recolhidos em todos os mares e oceanos. Foi recentemente demonstrado que uma quantidade muito elevada de plásticos é diariamente despejada nos mares e oceanos, através dos estuários dos rios: muitos milhares de partículas desses plásticos são gerados desta forma, acumulando e alterando o habitat e os ecossistemas marinhos. Consequentemente, ao acumularem nos oceanos, os microplásticos podem ser consumidos por animais tais como peixes, crustáceos e plâncton, e serem absorvidos por algas, influenciando toda a cadeia alimentar.

Hoje em dia é possível detetar microplásticos em virtualmente qualquer local: no lixo, no pó, em tecidos, cosméticos, produtos de limpeza, na água da chuva, no ar que respiramos, em animais e plantas marinhos, no sal utilizado para cozinhar, etc, etc, etc. Os seres humanos podem acumular microplásticos ao consumir alimentos contaminados, ao respirar ar poluído ou mesmo absorvendo os microplásticos através da pele. Foram já detetados microplásticos no sangue, saliva, fígado, rins, pulmões, placenta e trato gastrointestinal de pessoas em diferentes zonas do planeta. Microplásticos extremamente pequenos – medindo menos que 1 micrómetro, a milésima parte de um milímetro – são especialmente preocupantes para cientistas e médicos porque esses podem infiltrar (entrar diretamente) células de diferentes órgãos. Foram detetadas quantidades apreciáveis de microplásticos no leite materno e no “mecónio” (primeira evacuação dos bébés, que deve ocorrer nas primeiras 24 horas após o nascimento), sugerindo uma contaminação generalizada e um possível efeito dos microplásticos ao nível da reprodução. Estudos realizados em modelos animais demonstraram que microplásticos levam a uma redução da contagem e da qualidade do esperma, aparecimento de fibrose nos ovários e perturbações metabólicas nos recém-nascidos.

No que ao cancro diz respeito, estudos realizados em culturas celulares (células cultivadas em laboratório) e em modelos animais, incluindo espécies marinhas, demonstraram que os microplásticos estão envolvidos em processos que globalmente podem conferir um risco aumentado de desenvolvimento de cancro, como stress oxidativo (incluindo a produção de radicais livres de oxigénio), danos no ADN e alterações na atividade génica (maior ou menor transcrição de diferentes genes). Se a exposição a microplásticos for prolongada (crónica), os danos causados poderão resultar na ativação de oncogenes, levando ao aparecimento de células transformadas que podem contribuir para o desenvolvimento de diferentes tipos de cancro. Foi já demonstrado experimentalmente que a incidência de cancros do pulmão e do trato intestinal, por exemplo, poderá aumentar pela exposição e ingestão de microplásticos.

Poderá esta acumulação de microplásticos explicar o aumento de incidência de cancro que temos verificado nos últimos anos? Serão necessários mais estudos para podermos perceber se há uma relação causa-efeito entre estas variáveis. Mas tudo indica, de forma inquestionável, que a exposição e inalação de microplásticos afeta a saúde humana a diferentes níveis, desde a reprodução até ao eventual desenvolvimento de cancros.

A produção de plásticos e a sua utilização e destruição pode perturbar e alterar o planeta de uma forma potencialmente catastrófica. De acordo com um artigo recente na insuspeita revista científica Nature, à medida que a poluição causada pelo consumo e acumulação de plásticos aumenta, aumentam as ameaças à saúde humana. Desde a produção à destruição dos plásticos, além da criação de microplásticos, são gerados gases que afetam o ambiente a vários níveis, incluindo aqueles que têm efeito estufa, como o dióxido de carbono – levando a alterações climáticas. Estudos recentes mostraram ainda que os microplásticos afectam de forma irreversível microorganismos marinhos cujo papel é sequestrar dióxido de carbono da atmosfera e produzir oxigénio.

A redução da produção e utilização de plásticos é – assim – obrigatória. Mas, como em muitas situações que ameaçam a nossa sobrevivência e existência saudável, inúmeros cientistas e – neste caso concreto – engenheiros do ambiente estão preocupados com esta mais “recente ameaça”. A utilização de microorganismos que se alimentem de plástico, gerando metabolitos inócuos ou que possam ser utilizados para fins benéficos, por exemplo, poderá ser uma forma de reduzirmos o impacto deste tipo de poluição.

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