Publicado no The Guardian, incluído na coleção de artigos sobre a importância de assinalar o mês de Outubro (mês para alertar sobre a importância do cancro da mama).

Um relato na primeira pessoa, por Hillary Osborne, escrito de forma descomplicada e sincera que passamos a traduzir, com pequenas adaptações essencialmente linguísticas.


Pensava saber tudo acerca da doença que, aos meus 9 anos de idade, levou a minha mãe. Mas ao ser diagnosticada, abri os olhos aos mitos e realidades que acompanham esta doença.

Outubro é o mês de tomada de consciência sobre a importância do cancro da mama. O(a) leitor(a) terá, de alguma forma, ideia do que é o cancro da mama. Eu tinha – durante grande parte da minha infância a minha mãe esteve em tratamentos, tendo morrido do seu cancro mesmo antes de eu fazer 10 anos. Mas para além desta experiência, confesso ter tido um enorme desconhecimento do que realmente é o cancro da mama, até ter sido diagnosticada o verão passado. Deixo aqui alguns aspectos e informações que agora domino, mas que gostaria de ter tido conhecimento prévio.

Há vários tipos de cancro da mama.

Antes de realizar a minha primeira biópsia, “cancro da mama” era apenas “cancro da mama”. Enquanto aguardava ansiosamente os resultados, pesquisas na Google levavam-se a páginas que referiam “carcinoma ductal in situ”, um tipo de cancro da mama precoce que não metastiza, menos invasivo. Na minha cabeça, ensaiei várias vezes o momento em que a médica me diria ser esse o tipo de cancro que eu tinha. Na vida real, a médica disse-me que eu tinha um cancro da mama “triplo negativo”, de “grau 3”. A forma como ela me comunicou estes factos, fizeram-me perceber que eu tinha um tipo de cancro bastante mais agressivo e de pior prognóstico. O Professor Richard Simcock, diretor clínico do “Macmillan Cancer Support” (organização que fornece, no Reino Unido, diversos tipos de apoio a pessoas com cancro), diz que existem 4 categorias para classificar o cancro da mama, e para definir o melhor tratamento para cada pessoa e o seu cancro. Em primeiro lugar os médicos procuram saber onde se desenvolveu o cancro – habitualmente surge de células dos ductos mamários (“ductal”) ou das glândulas (“lobular”). Depois, determinam o número e o tamanho do tumor. O “Grau” reflete a velocidade de crescimento das células cancerosas – grau 3 é o mais agressivo e o que apresenta maior probabilidade de se espalhar por outros locais do corpo, formando metástases. Finalmente, os médicos procuram perceber a que tipo de fármacos o cancro poderá ser sensível. “Triplo negativo” significa que o meu não é sensível a certas hormonas como os estrogénios – o que significa que certos fármacos que eu tinha ouvido falar, como o Tamoxifeno, não terão qualquer efeito no tratamento deste cancro.

Antigone Johnston-Burt, clínico dedicado ao estudo da genómica do cancro na Macmillan, diz que “as mulheres muitas vezes comparam a sua doença com a de uma vizinha que também tenha tido cancro da mama, mas podem ter tipos de cancro diferentes, e consequentemente os seus tratamentos e curso clínico pode ser diferente”.

Os cancros de mama triplos negativos estão frequentemente associados a alterações genéticas (hereditárias). Não sei que tipo de cancro a minha mãe teve, mas se foi um triplo negativo, teria sido útil recorrer a aconselhamento genético anos atrás.

Talvez fosse mais correcto referirmos o cancro da mama no plural. Eu devia dizer a quem me pergunta: “eu tive um cancro da mama, ou dois”.

O tratamento não é o mesmo para todas.

Para mim, o tratamento consistiu em quimioterapia, cirurgia e radioterapia. Para outras, os tratamentos podem ser feitos numa ordem distinta, e nem todas precisarão de todas as terapias.

Menos tratamentos significam menos intervenções, o que pode parecer melhor, mas é de certa forma apaziguador saber que os médicos tentaram tudo o que havia para tratar o nosso cancro. Sei que há pessoas que ficaram preocupadas por não terem feito um ou outro tipo de tratamento. Não tenham qualquer problema em perguntar ao seu médico porque opta dar ou não determinado tratamento.

“Quimioterapia” pode significar variadíssimas coisas.

A palavra quimioterapia inclui uma variedade de drogas administradas de diversas formas. Quimioterapia pode apenas significar tomar um comprimido, ou estar sentada numa cadeira de hospital a receber drogas por via intravenosa. Eu recebi desta última forma, com uma “entrada venosa” colocada no meu peito para evitar ter que ser picada para cada sessão de tratamento. Metade da quimioterapia que recebi consistiu em paclitaxel e carboplatina, que o meu corpo tolerou bastante bem. A segunda metade incluiu duas outras chamadas epirubicina e ciclofosfamida. (Nota: são diferentes tipos de fármacos, com o objectivo de induzir quebras no ADN das células cancerosas, levando à sua morte. Como não são fármacos “específicos” para células tumorais, causam efeitos secundários diversos). Depois da primeira dose desta segunda combinação, estive a vomitar durante todo um episódio de um programa culinário de pastelaria, “The great British Bake Off” e as doses dos fármacos foram consequentemente reduzidas. Outros tipos de cancro de mama podem receber diferentes tipos de fármacos, e a tolerância de cada pessoa é distinta: algumas doentes dir-vos-ão que toleraram bem a epirubicina e ciclofosfamida mas que reagiram mal ao paclitaxel. Cada caso é um caso.

Se tem alterações genéticas, o seu risco é enorme.

Para a população feminina em geral, o risco de poder vir a desenvolver cancro da mama antes dos 80 anos de idade é cerca de 11%. Para as pessoas com mutações nos genes BRCA 1 ou BRCA2, o risco é de 79% ou 77%, respectivamente. “Ter uma mutação BRCA é como conduzir muito bêbada”, afirma Simcock. “Pode não ter um acidente, mas o seu risco para tal é muito maior que de outras pessoas. Pode tentar mitigar o risco, através de hábitos de vida saudáveis, mas a probabilidade de poder vir a ter um cancro é muito mais elevada”.

Eu descobri que tinha uma mutação no gene BRCA2, o que suponho me ajudou a responder à questão “porquê eu?”, que aflige muitas pessoas. Muitas vezes, a acumulação de erros (defeitos) genéticos, que podem ocorrerm em genes não directamente relacionados com cancro, criam uma susceptibilidade aumentada para poder vir a ter uma mutação num destes genes, e de vir a desenvolver um cancro.

Pode parecer muito saudável quando tem um cancro.

Quando tive o meu diagnóstico de cancro, ia de bicicleta diariamente para o trabalho, jogava ténis, alimentava-me de forma equilibrada e aparentava estar saudável como nunca. O único sintoma que tive foi de dor, que fui atribuindo a dores musculares até descobrir um pequeno “alto”, uma pequena massa. Grisalha e com aspecto envelhecido, só após começar os tratamentos.

Os seus nódulos linfáticos dizem muito.

Os seus sovacos têm até 40 nódulos (gânglios) linfáticos. Quando tem uma massa (“alto”) palpável nas suas mamas, os médicos vão querer pesquisar os seus nódulos linfáticos para perceber se o cancro se espalhou por ser esta via uma das primeiras a ser utilizada. Se os gânglios estiverem “positivos”, pode ser necessário removê-los, na totalidade, ou pelo menos alguns para perceber a eventual invasão e comportamento agressivo do tumor. Alerte o seu médico se recebeu recentemente vacinas contra a Gripe ou para a Covid19, porque essas podem resultar no aumento dos gânglios linfáticos sem ter que ver com o seu cancro. Isso aconteceu-me, o que causou bastante preocupação por parte dos médicos sem haver razão para tal.

A quimioterapia poderá levá-la à menopausa.

Sim, uma fase da vida que trás tantas mudanças e aspectos menos psitivos é algo que pode ocorrer durante os seus tratamentos.
Por vezes os médicos tentam activamente induzir menopausa – 80% dos cancros de mama respondem aos estrogénios e ao suprimir a produção pelos ovários, os médicos estão a tentar bloquear o crescimento do tumor e a sua capacidade de metastização. Em algumas pessoas, os sintomas podem ser bastante significativos, incluindo suores noturnos e dores articulares. Neste sentido, torna-se difícil, do ponto de vista da expectativa das doentes, entender que não podem receber terapia de substituição hormonal porque isso poderia favorecer a recorrência (recidiva) do seu cancro. Para pessoas com tumores triplos negativos isso não é importante, apenas outro efeito secundário das terapias.

Não reparei em quaisquer sintomas durante os tratamentos, mas agora os suores noturnos acordam-me frequentemente e as dores nas articulações são notórias. Estou nos 40s, o que sugere ser possível voltar a ter menstruação uma vez terminados os ciclos de tratamento. Se for esse o caso, terei que sofrer os mesmos sintomas dentro de algum tempo.

Há um comprimido para tudo.

É apaziguador saber que praticamente tudo o que nos acontece durante os tratamentos já aconteceu a alguém, e os(as) médicos(as) e enfermeiros(as) têm sempre uma resposta para dar.

É mais alarmante receber comprimidos para efeitos secundários de um tratamento, antes desses sintomas surgirem. É das piores prendas possíveis – um conjunto de comprimidos que reduzem a vontade de vomitar ou de evacuar. Por vezes, a toma de um comprimido pode significar a necessidade de tomar outro, para contrariar os efeitos secundários do primeiro.

Os meus glóbulos brancos reduziram bastante, efeito da quimioterapia que recebi, e por isso tive de receber injecções para ajudar. Estas causaram dores ósseas severas, e por isso tive de tomar analgésicos. Ao tomar estes, tive de tomar algo para proteger o meu estômago. Mas assim, ao menos os meus ossos não doíam.

Terá de falar bastante sobre os seus intestinos.

O número de pessoas – entre médicos, enfermeiros, outras pacientes – que lhe pergunta quantas vezes vai à casa de banho, e como correu, vai surpreende-la. Na minha primeira semana de tratamentos a resposta mais frequente era “há dias que não vou”. Fiquei com dores severas até que o meu companheiro foi enviado a uma farmácia, 3 vezes num só dia, para comprar diferentes laxantes. Praticamente tudo o que lhe darão terá impacto nos seus órgãos internos, e – como é o meu caso- se algum desses tratamentos for a imunoterapia, o risco de colite (inflamação intestinal) é uma preocupação para os médicos. Por isso, prepare-se para perder qualquer inibição que tenha, e descrever claramente o que se passa na casa de banho.

Pode guardar algum do seu cabelo.

Um dos piores efeitos secundários das várias drogas utilizadas para tratar o cancro de mama é a queda de cabelo. O Oncologista disse-me que sem qualquer tipo de intervenção, perderia o meu cabelo passadas 3 semanas, e que não voltaria a crescer até os tratamentos terminarem.

A intervenção possível é a utilização de um tipo de chapéu que quase-congela a sua cabeça enquanto recebe a quimioterapia, protegendo assim os folículos pilosos (do cabelo). É horrível. Passará horas com a cabeça, o cérebro, quase congelada durante horas, e à medida que o seu cabelo vai ficando mais fino e frágil, torna-se mais doloroso. Mas para mim, valeu a pena. Consegui manter a maior parte do meu cabelo durante os primeiros ciclos de tratamento, tendo caído apenas com a segunda combinação de quimioterapia (a epirubicina com ciclofosfamida): passada uma semana acordava frequentemente com novelos de cabelo na almofada. Mas consegui manter uma quantidade que, com um chapéu, continuava a parecer um cabelo normal. No meu caso, percebi logo de início que dificilmente aceitaria perder o cabelo todo, e usar cabeleiras nunca foi uma opção agradável. Outras pessoas preferem cortar ou mesmo rapar o cabelo quando começam os tratamentos.

Os pelos nasais são francamente importantes.

Quando ouve falar de quimioterapia e a perda de cabelo, talvez não pense no que acontece aos pelos que ficam para baixo da cabeça, mas na verdade afecta tudo. Uma vantagem, não tive de rapar os pelos das pernas todo o verão. Uma desvantagem: percebi que os pelos nasais desempenham mais que uma função. Impedem que coisas entrem para o seu nariz, mas também impedem coisas de caírem. Quando comecei a pingar do nariz, percebi que a totalidade dos meus pelos do nariz tinha caído, e que me faziam imensa falta. Nunca mais saí de casa sem lenços.

Fadiga não é o mesmo que cansaço.

Antes de tudo ter acontecido, sempre achei que fadiga e cansaço seriam sinónimos, e assim, quando fui avisada da ocorrência da primeira, esperei a sensação de uma noite mal dormida, ou de um dia especialmente preenchido. Como estava errada. Houve dias em que senti estar a arrastar-me, e outros em que necessitava de toda a minha energia apenas para me conseguir levantar da cama. Um dia estou sentada no sofá e penso em pegar a revista que está no outro lado da sala, mas não tenho energia para tal. Os comprimidos de olaparib (imunoterapia) que estarei a tomar os próximos meses têm como um dos principais efeitos secundários a fadiga. Esqueço-me constantemente, e há dias em que não percebo porque apenas me apetece estar sentada. Para pessoas muito activas, isto pode causar algum choque.

Tem de continuar vigilante, mesmo que tenha feito uma mastectomia

Realizar uma mastectomia remove a maior parte do tecido mamário, mas como fica frequentemente algum tecido residual, existe sempre a hipótese do seu cancro regressar. A radioterapia reduz esse risco, e há certos medicamentos/fármacos que foram desenvolvidos precisamente para eliminar células tumorais que tenham ficado após a mastectomia. Mesmo com todas estas abordagens e opções, o medo de uma recidiva é real.

Pesam as suas mamas antes de qualquer reconstrução

Antes de fazer a minha mastectomia e reconstrução, o cirurgião plástico disse-me que iriam pesar as minhas mamas, para ter a certeza que os implantes teriam o tamanho certo. No dia seguinte à operação, disseram-me quanto pesavam. Não partilharei os detalhes, mas digamos que essa informação me deu outra perspetiva das quantidades (de açúcar, farinha, etc) utilizadas em receitas.

Algumas pessoas escolhem seios de tricot ou de lã

Nem todas as doentes aceitam fazer uma reconstrução mamária. Algumas, como tive ocasião de conhecer durante os meus tratamentos, optam por soluções menos óbvias, como seios de lã ou de tricot. Outras doentes optam por ficar sem qualquer implante.

Há vários locais onde pode obter ajuda e conselhos

Há vários locais, e várias organizações e estruturas de apoio a doentes com cancro da mama no Reino Unido, incluindo a “Breast Cancer now”, entre muitas outras. Em Portugal, as Amigas do Peito, a Careca Power, a Mama Help, a Liga Portuguesa Contra o Cancro e a Evita, só para citar algumas, dão apoio a diferentes níveis.

Não é verdade que coloca tudo em perspetiva

Após o diagnóstico de cancro de uma das minhas amigas, o seu companheiro disse-me que isso tinha feito com que eles deixassem de se preocupar com as “coisas menores”. Tal (ainda) não me aconteceu. Continuo obsessivamente preocupada com tudo e com quase nada. O diagnóstico do meu cancro fez-me, no entanto, pensar que a minha maior ambição está de facto fora do meu controlo. De todas as coisas que me passaram pela cabeça – nunca fui à Austrália, nunca escrevi um livro – o que mais me preocupa é pensar que poderei não ter tempo para ver o meu filho crescer. O que mais gostaria é de poder vê-lo tornar-se um adulto, e agora não há muito que eu possa fazer para que isso aconteça. Entretanto, continuarei a queixar-me de tudo o que me vier à cabeça, como reclamar com o website da EMEL para renovar o meu dístico de residente.