A opinião de Sérgio Dias, coordenador científico do iMM-Laço Hub, na coluna sobre cancro da revista Visão.
“Dados epidemiológicos demonstram inequivocamente que a prática de exercício físico, mesmo que moderado, ao longo da vida, resulta numa diminuição real do risco de desenvolver alguns cancros.” A opinião de Sérgio Dias, investigador principal do Instituto de Medicina Molecular
Uma breve pesquisa na internet diz-nos que a prática de exercício físico tem cerca de 70 000 anos.
Ou seja, há 70 000 anos, os nossos antepassados praticavam – por exemplo – lançamento de setas e de lanças. Registos em cavernas indicam que os que conseguiam lançar as maiores distâncias seriam eventualmente os melhores caçadores e guerreiros e, por isso, mais impactantes para a sobrevivência da comunidade. A migração para fora do continente africano terá também ocorrido há aproximadamente 70 000 anos, o que releva uma curiosa “coincidência” com a apreciação pelos feitos físicos e pela prática de competições “desportivas”. Se os nossos antepassados realizavam exercício físico apenas pela necessidade de obter alimentos e de guerrear comunidades adversárias, é mais difícil saber. Somente na antiga Grécia (muitos anos depois, em 776 A.C.) é que se realizaram os primeiros Jogos Olímpicos. Esses, sim, promoviam a prática de exercício físico e a seleção de atletas com o objetivo de bater recordes, de revelar quem seria o “mais alto, mais rápido, mais forte”. Esse fascínio por competições desportivas mantém-se bem presente nas sociedades atuais.
De facto, a prática de exercício físico, nomeadamente as competições desportivas, nunca tiveram tanto impacto (medido sob a forma de visualizações, seguidores, adeptos, fãs, merchandising associado a clubes ou atletas em particular, dietas específicas, etc, etc, etc, etc) como nos dias de hoje. No entanto, a prática de exercício físico, mesmo que moderado, parece ser difícil de implementar na maioria das sociedades, independentemente de aspetos culturais ou socioeconómicos. Nomeadamente na União Europeia, a importância da implementação de programas educacionais que promovam a prática de exercício físico tem sido reforçada nas últimas décadas. Surpreendentemente, a noção generalizada de que “realizar exercício físico faz bem” é ainda uma meta distante, pelo menos para uma parte da população mundial.
Ora, o que tem tudo isto a ver com o “risco de cancro”?
Dados epidemiológicos demonstram inequivocamente que a prática de exercício físico, mesmo que moderado, ao longo da vida, resulta numa diminuição real do risco de desenvolver alguns cancros. Quando refiro “exercício físico moderado”, estou a falar de pelo menos 30 minutos de atividade física por dia. Mais ou menos intensa, o que dependerá da disponibilidade, dedicação, capacidade física e tempo de cada pessoa. Mas dissequemos os mecanismos científicos que explicam estes dados epidemiológicos.
A prática de exercício físico atua a diferentes níveis no nosso corpo, desde o nível cognitivo (melhora a concentração e a acuidade) como ao nível da fisiopatologia de diferentes órgãos e sistemas. Por um lado, através do aumento do consumo de energia (gasta a produzir movimento dos músculos), regula o metabolismo, reduzindo a glucose e a acumulação de gorduras, nomeadamente os ácidos gordos e o colesterol. Os lípidos são precursores (isto é, essenciais) para a síntese de hormonas, nomeadamente as que aumentam o risco de desenvolvimento de cancros (hormono-dependentes, como o cancro da próstata ou da mama).
Por outro lado, o exercício físico tem um efeito generalizado (sistémico) de redução da inflamação e de ativação do sistema imunitário, aumentando a sua capacidade de reconhecimento e de eliminação de células cancerosas. A prática de exercício físico aumenta também o funcionamento do trato intestinal, diminuindo a exposição do epitélio do intestino a potenciais agentes carcinogénicos obtidos através da dieta.
Finalmente, não pretendendo ser exaustivo, o exercício físico aumenta ainda o bom funcionamento cardíaco (quando praticado sob recomendação e acompanhamento médico) e vascular. Melhor funcionamento vascular e cardíaco acompanham as alterações metabólicas, criando um ambiente sistémico desfavorável ao desenvolvimento do cancro.
Várias publicações e sites sugerem a prática de pelo menos 30 minutos de exercício físico por dia; este número aparentemente arbitrário baseia-se em estudos científicos que indicam ser esse o tempo mínimo para que seja possível observar algum dos efeitos benéficos descritos anteriormente. E contribuir para reduzir o risco de desenvolvimento de alguns cancros.
Não precisamos de ser atletas de alta competição para cumprir essa meta. Caminhar, subir escadas, dançar, correr, nadar, andar de bicicleta (sem a ajuda de motores elétricos), de skate, jogar futebol, rugby, andebol, basquetebol, esgrima, praticar as mais variadas formas de ginástica (em ginásio, ao ar livre ou em casa), entre tantas outras possibilidades. Como sugere o American Institute for Cancer Research, tenha como objetivo realizar exercício físico “30 minutos por dia, como quiser”.
Não será fácil encontrar desculpas para não o fazer.
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