A opinião de Sérgio Dias, coordenador científico do iMM-Laço Hub, na coluna sobre cancro da revista Visão.

“Quando falamos de ‘risco’, referimo-nos a uma probabilidade de que algo possa acontecer, não garantindo que tal venha de facto a acontecer.” A opinião de Sérgio Dias, investigador principal do Instituto de Medicina Molecular.

Como calcular o risco real de podermos vir a desenvolver um cancro? Da mama, próstata, pulmão, intestino, pâncreas, fígado, laringe, cérebro, bexiga, testículos, ovários, colo do útero, leucemias ou linfomas, só para citar alguns exemplos. A questão (preocupação) é partilhada por cientistas, profissionais de saúde e população em geral. Os números, com a sua precisão e exatidão, podem dar pistas e algumas respostas. E a incidência de certos cancros é claramente superior em pessoas expostas a certos fatores. Voltamos a este ponto mais à frente neste texto.

Quando falamos de “risco”, referimo-nos a uma probabilidade de que algo possa acontecer, não garantindo que tal venha de facto a acontecer. Que quero dizer com isto? Por exemplo, quando atiramos uma moeda ao ar, existe uma probabilidade de 50% (metade) da moeda cair com “cara” ou “coroa” para cima. Mas se atirarmos 100 vezes uma moeda ao ar, ela pode cair sempre com “coroa” para cima. Ou seja, a probabilidade de um determinado acontecimento ocorrer não garante que tal venha realmente a ocorrer.

No que ao cancro diz respeito, o cálculo do risco de um indivíduo poder vir a desenvolver um cancro é determinado a partir do estudo de grandes grupos populacionais. Ou seja, os investigadores populacionais procuram calcular a probabilidade de uma pessoa ou de um determinado grupo de pessoas, poder vir a desenvolver um cancro num período de tempo definido (habitualmente, anos). Com estes estudos, procuram ainda identificar as características da pessoa (ou do grupo de pessoas) e os comportamentos que possam estar associados a risco aumentado ou diminuído de desenvolver certos tipos de cancro.

O risco pode ainda ser dividido em risco absoluto e risco relativo. Dados recentes revelam, por exemplo, que um homem nos EUA tem um risco absoluto de 12% de poder vir a desenvolver cancro da próstata. Ou seja, 12 em cada 100 homens americanos virão a desenvolver cancro da próstata durante a sua vida enquanto 88 desses 100 não deverão desenvolver a doença. No caso do cancro da mama existe um risco absoluto de 13% das mulheres poderem vir a desenvolver cancro da mama (13 em 100). O risco absoluto diz-nos a probabilidade que uma pessoa tem de poder vir a desenvolver um cancro durante a sua vida, não diz se esse(s) cancro(s) pode(m) aparecer daqui a um ano ou nos próximos cinco anos. Vários fatores têm de ser tidos em conta quando calculamos o risco real de uma pessoa em concreto poder vir a desenvolver um cancro.

Aqui entra o conceito de risco relativo. Por exemplo, inúmeros estudos publicados nos últimos 20 anos demonstram, inequivocamente, comparando grupos populacionais de fumadores (consumidores de tabaco de forma regular) com não-fumadores, que o risco de um fumador poder vir a ter um cancro do pulmão é 25 vezes mais elevado do que o de uma pessoa que nunca tenha fumado. Assim, determinou-se que o risco relativo de desenvolver cancro do pulmão é, em fumadores, 25 vezes superior ao da população não-fumadora. Os mecanismos moleculares que explicam os efeitos carcinogénicos associados ao consumo de tabaco são bem conhecidos; de forma simplificada, os vários elementos carcinogénicos (existem cerca de 70 substâncias com efeitos carcinogénicos no tabaco) provocam danos no ADN das células do pulmão e outros epitélios (como a bexiga). A ocorrência repetida de lesões no ADN leva, por seu lado, à ativação de genes que favorecem a transformação maligna (oncogenes) e ao silenciamento de genes que impedem essa transformação (genes supressores de tumores), favorecendo então o aparecimento e progressão de cancros, nomeadamente do pulmão. 

Importa dizer que as estatísticas (números) de risco podem ser na verdade algo frustrantes e difíceis de compreender, porque não me (nos) dão o meu (nosso) risco preciso de poder vir a desenvolver um cancro, e muito menos de quando tal poderá vir a acontecer. Outro exemplo: as mais recentes estatísticas indicam que os homens americanos têm uma probabilidade de cerca de 40% de poder vir a desenvolver um cancro durante a sua vida. Mas isto não significa que o risco de um homem americano em particular poder vir a ter um cancro seja de 40%, apenas porque nasceu homem. O risco individual é calculado tendo em conta os hábitos da pessoa (incluindo os hábitos alimentares, tabágicos, etc), a história familiar (cancros hereditários), o ambiente onde a pessoa reside (com maior ou menor exposição a carcinogéneos) e as suas próprias características genéticas (e sistema imunitário mais competente). Assim, não é correto – e é mesmo irresponsável – apregoar que conhecemos o indivíduo X ou Y que “fumou toda a vida e nunca teve um cancro”, ou que “apanhou escaldões na pele todos os anos” e nunca teve cancro, porque o risco associado a esses comportamentos é estatisticamente muito mais elevado. De poder vir a desenvolver cancro do pulmão ou da bexiga, e da pele, respetivamente.

A ciência permite perceber a base molecular que explica o aparecimento dos cancros, a sua progressão e quais os que poderão responder melhor ou pior a diferentes terapias. A matemática, nomeadamente o ramo da estatística epidemiológica, permite ainda definir os riscos que corremos individualmente ou em grupo de poder vir a desenvolver um determinado cancro durante a vida. Para gerirmos melhor a ansiedade relacionada com a incerteza do cancro, e nomeadamente os fatores que podemos de alguma forma controlar/minimizar, devemos ter consciência dos riscos associados a determinados comportamentos. 

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