A opinião de Sérgio Dias, coordenador científico do iMM-Laço Hub, na coluna sobre cancro da revista Visão.
“Não há qualquer relação cientificamente comprovada entre a aplicação tópica de desodorizantes ou de anti-perspirantes e o risco aumentado de desenvolver cancro da mama.” A opinião de Sérgio Dias, investigador principal do Instituto de Medicina Molecular.
Há um ano iniciei esta crónica regular sobre diferentes temas associados com o cancro. As questões que mais me colocam estão associadas com mitos à volta do cancro e nos próximos artigos tentarei explicar, e desacreditar, sempre com uma base científica estas questões.
Os dias mais quentes, habitualmente no verão, no hemisfério norte, trazem boas experiências e sensações, como passeios idílicos ou refeições infindáveis debaixo de uma sombra fresca, pores-do-sol magníficos, sons e cores estivais a lembrar uma praia paradisíaca. Também trazem, os dias mais quentes, outro tipo de experiências e sensações, nomeadamente odoríferas.
Uma pessoa adulta tem, aproximadamente, 3 a 4 milhões de glândulas sudoríparas, responsáveis pela produção de suor e, consequentemente, da transpiração, essencial para a regulação da temperatura corporal, e pela eliminação de substâncias tóxicas. Existem dois tipos de glândulas sudoríparas, as écrinas, que libertam suor composto essencialmente por água e vários sais, são as glândulas responsáveis pela regulação da temperatura corporal através da transpiração, e as apócrinas. Estas últimas produzem suor que contém matéria gordurosa, entram em atividade durante a puberdade e estão principalmente presentes nas axilas e área genital. A sua atividade, outro tipo de transpiração, denominada perspiração, é responsável pelo odor desagradável produzido precisamente nessas áreas corporais. Esse odor é resultado da degradação de substâncias orgânicas e dos lípidos, gerando ácidos como o isovalérico, por parte de bactérias residentes na pele. São também, por isso, denominadas glândulas do cheiro. Maus hábitos de higiene, situações de stress emocional e algumas patologias resultam na produção abundante de suor por parte das glândulas apócrinas, e libertação de mau odor.
Até finais do século XIX, o odor corporal, e nomeadamente o odor produzido nas axilas ou zonas genitais, era considerado natural e os métodos para o seu controlo (redução) consistiam essencialmente na lavagem frequente das zonas críticas ou a utilização de perfumes para esconder os odores mais exuberantes.
Sendo, na altura, quase tabu falar de (maus) odores corporais, e mais concretamente na necessidade de os controlar, o primeiro desodorizante comercial e revolucionário foi criado nos EUA, em 1888. Chamado “Mum”, foi inicialmente vendido sob a forma de creme, para ser aplicado nas axilas com os dedos. Só anos mais tarde se desenvolveu o primeiro “anti perspirante”, que visava bloquear a produção de suor e a perspiração, chamava-se “everdry” (“sempre seco”). As campanhas publicitárias destes produtos são autênticas pérolas, com interesse histórico e estético.
O mecanismo de ação dos anti prespirantes é, essencialmente, físico. Quando aplicados na superfície corporal, os seus ingredientes ativos, habitualmente um sal de alumínio, dissolvem-se no suor ou na humidade presente na axila. Essa substância dissolvida forma um gel, que cria uma barreira temporária na parte superficial da glândula sudorípara, reduzindo significativamente a secreção de suor e consequentemente o mau odor.
Mas que tem tudo isto a ver com o cancro e mitos? Falamos, em concreto, do mito que declara: “os anti perspirantes e desodorizantes causam cancro da mama”. A principal razão (e origem) deste mito reside na recomendação feita a mulheres que vão realizar mamografias para não utilizarem nesse dia um desodorizante ou anti-perspirante. Não há qualquer relação cientificamente comprovada entre a aplicação tópica de desodorizantes ou de anti-perspirantes e o risco aumentado de desenvolver cancro da mama. Vários estudos realizados laboratorialmente e a nível populacional não conseguiram encontrar qualquer relação entre a utilização de desodorizantes e risco de cancro, nomeadamente cancro da mama. Na verdade, a principal razão para a não utilização desses produtos cosméticos quando se vai realizar uma mamografia resume-se de forma simples: o alumínio presente nos desodorizantes ou anti perspirantes pode ser confundido com cálcio num exame de mamografia, interferindo com os resultados do exame. Ou seja, se o anti-perspirante ou desodorizante aplicado interferir com a mamografia, a mulher pode ter resultados inconclusivos do seu exame, o que é evidentemente indesejável.
O interesse social e pessoal da utilização dos desodorizantes e anti perspirantes ultrapassa em muito os seus “perigos” para a nossa saúde. No caso do cancro, não há qualquer evidência de causalidade.
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